O toosan tem razão em dizer que paciência é muito importante. Mas demonstrar paciência é fácil, esperar, dar mais tempo para as coisas se resolverem. Acho que a lição mesmo é aprender a lidar com a frustração. Será que eu vim até a Índia pra isso? Aqui em Hyderabad as crianças falam um pouquinho de inglês, mesmo que bem básico, o suficiente pra que a gente consiga se comunicar. Fora daqui não. Não sei o que os caras da AIESEC fizeram pra convencer o cara da ONG a aceitar voluntários, mas o que ele disse pra gente foi basicamente que a gente não tem utilidade direta pra ele. Só o que a gente pode fazer é dar assistência enquanto eles fazem o trabalho dele. Por um lado ele disse que é bom a gente querer ajudar as pessoas no mundo, mas por outro lado ele perguntou pra gente: se vcs não sabem falar a língua local, então o que vcs estão fazendo aqui? A conversa não foi ruim, mas isso foi muito difícil ouvir. O que eu estou fazendo aqui? A mesma coisa que todos os outros voluntários de todos os lugares do mundo que vêm pra cá, e que podem ter uma oportunidade de estar em contato com as crianças daqui, tentando causar algum impacto positivo na vida delas. E porque não pode ter espaço pra mim também? Bom, parecia que a gente tinha especificamente requisitado trabalhar com essa ONG, o que não é verdade, porque não nos foi dada nenhuma opção quanto a isso. Não é que eu não queira. Eu quero viajar, mesmo que seja um lugar pobre, onde seja difícil estar, mas se essa é a realidade da Índia então que seja. A gente enfrenta né? Mas por outro lado eu também gostaria de poder fazer alguma coisa mais diretamente. Isso só indo pra saber o que eu vou conseguir fazer. Parece que a viagem só vai acontecer lá pelo dia 05 de janeiro. Até lá o que fazer? Tentar aprender o básico de Telugu? Estudar cultura híndi? Vejamos se conseguimos arranjar um jeito disso. Visitar as escolas do resto do pessoal. O Sam, o cara da ONG, surpreendentemente, é cristão. Raro, não? Na verdade ele nos deu outra opção, que seria ficar num orfanato que a ONG cuida, a 20 km da cidade, na zona rural de Hyderabad. Que opção escolher? As viagens já estão meio que escolhidas apesar da insegurança que dá de sair pra viajar por lugares mais pobres da Índia. Por outro lado, deve ser uma oportunidade única. Eu já estou decidida nisso, mas apesar de isolado, ir visitar o orfanato também parece bom. Mas tudo bem, acho que há muito o que aprender com o pessoal da ONG, porque pelo menos o pessoal que vai fazer a pesquisa parece saber falar inglês. Aprender sobre o que é uma ONG, sobre o que é uma ONG na Índia. É difícil estar aqui, na incerteza, mas é também uma lição pra vida né? É engraçado como ter a companhia de alguém, que apesar de ter quase a mesma idade que eu, parece ser tão mais ‘inocente’ nos dá forças para ser mais forte do que a gente seria sozinho. Eu consigo estar aqui, mas assim é mais fácil. Assim eu também me sinto mais segura.
Hoje nós passamos a noite na ONG, tem dormitórios nos fundos pros funcionários. Pravína (não sei como se escreve, mas pronuncia assim) é a menina que cuida das coisas aqui. Ela foi muito legal conosco, conversou com a gente. Ela se formou em design de moda, e daqui a alguns meses vai se mudar para o Texas e começar a própria boutique. Os pais dela e a irmã mais velha já moram todos nos Estados Unidos, já faz uns 5 anos. Está trabalhando aqui provisoriamente. O dormitório da ONG não é ruim, apesar de que eu acho que até o pessoal da AIESEC ficou com uma má impressão, porque eles decidiram não trazer as duas egípcias que chegaram ontem. Também não tinha colchão pra elas. Mas esse quarto onde a gente está é velho, mas não está sujo. O chão é de uns azulejos vermelhos bem velhos, que me fazem lembrar da casa de Martins de Sá, com o chão velho e feio. O colchão o Anirudh trouxe da casa dele. Esses colchões são OK, mas estou com os lados do quadril meio roxos porque eles são bem duros. Mas é só nessa parte que incomoda. E talvez eu precise comprar algumas roupas mais quentinhas porque está ficando um pouco mais frio. Me disseram que vai esfriar mais ainda. Aqui tem água quente, embora não tenha chuveiro. Mas mesmo assim, ontem tomei meu primeiro banho quente desde que eu cheguei aqui. Como os chuveiros não funcionam, as pessoas enchem baldes de água e colocam um aquecedor para esquentar, daí tomam banho jogando água com uma canequinha. O banheiro é ocidental, e parece que elas limpam, mas parece que não usam desinfetante nem coisas do tipo. Essas coisas parecem meio culturais. Tem uma rua grande aqui por perto, e é cheia de lixo jogado. Realmente as coisas aqui não são muito higiênicas. Mas parece também que isso é o normal. Voltando ao chuveiro, engraçado como aqui é cheio de coisas que estão lá mas não funcionam. Todos os lugares têm chuveiro, mas não vi nenhum que pudesse ser usado até agora. As portas têm maçaneta com tranca, mas elas não são usadas, você usa fechos tipo de banheiro público, sabe? Aqueles compridinhos que vc empurra uma barrinha pra prender a porta. Todas as universidades aqui dão aulas em inglês. Todo o pessoal da AIESEC estuda em inglês, e o Ani disse que eles fazem isso desde cedo, desde a middle school eles começam a estudar em inglês. Mas acho que isso mostra também como o pessoal de Hyderabad é privilegiado. Aqui em Secunderabad, parece que as pessoas falam menos inglês. E a gente causou muito mais estranhamento andando na rua do que em Hyderabad. Mas umas menininhas vieram falar ‘hello’ pra gente, e saíram correndo quando a Jan fez que ia tirar foto delas. Eram muito bonitinhas, e bem pequenininhas. Realmente crianças são uma coisa especial. Elas não olham com medo ou estranheza, ou desaprovação, só com curiosidade. Dos adultos, alguns olhares foram ruins de sentir. Eu acho que eu preciso superar um pouco o medo de aproximação, sabe, do tipo ter coragem de perguntar as coisas para as pessoas da rua. Mas o fato de serem quase todos homens, e de eu saber que as mulheres muitas vezes têm problemas com os homens aqui, é assustador. Não sei se tudo bem falar com alguém ou se não tudo bem. Aqui é cidade, é diferente de se fosse uma vila né? É como se alguém fosse pra periferia de Sampa, não sei como são as pessoas lá, se são boas, ou se podem querer algum mal. Não sei como me aproximar da cultura daqui. Talvez tenha que ser bem assim, bem aos poucos, devagar. As pessoas ficaram perguntando sobre o choque cultual, se eu me assustei com a aparência da cidade. Mas isso não. Acho que o que é realmente assustador é não saber como me aproximar das pessoas aqui, acho que diferente de todos os outros lugares que eu visitei, eu não me sinto no geral bem vinda. Pelas pessoas com quem a gente entra em contato sim, pela cidade como um todo, não. Vamos ver como continua essa aventura pela Índia a partir de agora.
P.S. Estou um pouco com medo disso porque acabei de descobrir que essa ONG eh aquela que o pessoal das Ilhas Mauricio teve problemas. Eu nao acho que a gente vai ter problemas, mas acho que isso eh meio irresponsavel da parte do pessoal do escritorio. Como eles mandam a gente de volta assim?
P.S.2 Eu quero sair pra passear, mas como o pessoal dah aquelas de daqui a uma hora eu chego, e depois de uma hora eles dizem daqui a duas horas eu chego, eles te deixam sem saber o que esperar e com medo de sair e eles chegarem bem quando vc esta fora porque isso vai querer dizer mais um dia perdido... E a gente ta num lugar que eu nao sei onde eh, e nao eh permanente, e nao sei mais de nada.